29 de abril de 2016

Descrevo o MIUT (Maratona) como o fiz: às postas e em pensamentos

Até ao Pico do Areeiro

Comecei agora a prova e estão a doer-me os músculos. Não é bem dor, não comeces já com as merdinhas das dores. Sinto os músculos presos. Devia ter feito um treino leve ontem ou antes de ontem, ajudava a soltar os músculos. Já vou na cauda do pelotão como de costume. Mas não me interessa, sei que no fim vou ultrapassar imensa gente. É sempre assim. A minha estratégia é conhecida como “de trás para a frente”. E resulta sempre. No final farto-me de papar gente. Ahahahah… Gentinha tonta… Olha para isto, vai tudo a abrir… Quero vê-los a subir para o Poiso.
Ena, tanta comida. Mas não tenho fome. Ainda só fiz 4,5km e esta subida não foi nada de especial. Mas é melhor comer. Vou atacar a marmelada e as laranjas. Tau! Já está.
Já me disseram que agora é ligar o turbo. É sempre a descer. Quando me dizem isso desconfio sempre. Deve ser, deve… Já aprendi a lição que há gráficos e conversas enganadoras.



Do Pico do Areeiro até Ribeiro Frio

Que troço porreiro, pá… Tem dado para correr. Ali atrás ainda apanhei uma descida muito inclinada e por isso fi-la devagar. Já sabes, não é? Patareca como és, o melhor é ir devagar.
Além disso, esta malta é porreira, tem dado para conversar com algumas pessoas. E agora começam a passar os primeiros atletas da prova dos 115km. Impressionante: aqui já trazem cerca de 80km nas pernas e ainda têm a distinta lata de passar por mim a correr e a bom ritmo. Brincalhões!
E eu? Olha, para já sinto os músculos mais soltinhos. Ufa… Mas começa a doer-me o joelho. Estranho… Nunca me doeram os joelhos. Só o meu piriforme (o tal que me fez pensar que era ciática, lembram-se?). Até agora ainda não deu sinal. Até estou com medo de me lembrar dele.
Cabrão do joelho. Era o que me faltava agora…
Aqui no abastecimento já há malta a desistir. Uma, da minha prova, vem a vomitar. Outro, da prova dos 115km, vem exausto. Pois… Treinasses!
Mais marmelada, mais laranjas e agora frutos secos. Dizem que a subida é dura.
Vamos lá a ela. E o calor que está?

De Ribeiro Frio até Poiso

(Agora é a subida mais difícil, dizem).
Isto é que é uma subida difícil? Esta gente sabe lá o que é subir… Ou então os treinos deram resultado. Na boa! Que fixe, pá. Estou a fazer isto nas calmas. A continuar assim vou fazer um tempo-canhão. O Paul Michel vai ficar orgulhoso.

Do Poiso até Portela

Sempre a descer! Um autêntico massacre, o chamado rompe pernas. E como os treinos a descer foram poucos, claro que estás a pagar a fatura. Chego aqui à Portela com dores no joelho esquerdo. Não saio daqui sem tomar um paracetamol.
Olha que surpresa! A pequena Babá (5 anos), a tia Adosinda e a prima Paula. E de megafone em punho a chamar-me, imaginem… MACARENA
A pequena Babá tem consigo três balões que me quer oferecer mas explico-lhe que ainda falta muito para chegar à meta e que não os podia levar. Abracei-as, apesar do meu cheiro nauseabundo, e sigo a pensar que ainda me faltavam três postas para acabar a prova.
Aqui, na Portela, estão a desistir vários atletas. Todos se queixam dos joelhos e das unhas dos pés.

Da Portela até Larano

Saio da Portela e apanho agora o percurso mais corrível da prova. Que frustração! Apanho agora terreno bom para correr e não consigo. O joelho está a massacrar-me. Não acredito nisto.
Km30. A tão falada descida do Larano. Bem me disseram que aqui é que era o verdadeiro rompe pernas. Sem dúvida. Quem é que se lembrou de nos enfiar aqui? Esta mania ou moda de no final das provas nos enfiarem em trilhos técnicos, a roçar a aventura tipo Indiana Jones… Começa a deixar-me furiosa. E olhar para o meu lado direito??? Se alguém cai aqui… A atrapalhar mais a coisa já oiço a malta dos 115km a vir aí com as pressas…. Bonito!
Sim, sim, sim!!! Eu chego-me para o lado, calma!...
Se não fossem estas duas madeirenses a fazerem-me companhia… Ainda me rio com o sotaque e as piadas. Uma acabou de dizer que “se lhe parou o relógio. E que não sabe que pé é que tem de pôr…” Opá, que duas figuras! Comigo, três!

De Larano até Ribeira Seca

Novamente uma excelente parte do percurso para correr. Mas não consigo. Vou enviar-lhe um SMS: “Km 36. Toda lixada. Trekking até à meta. Não me chateies” E ele não me chateou.
Lembram-se da conversa do trás para a frente? Pois… Desta vez, ardeu. Aqui onde seria suposto estar bem… Estou feita num oito. Estão a passar por mim vários atletas. Que frustração… Era aqui que podia ganhar terreno, que podia ganhar posições e que me sentiria bem e feliz rumo à meta… E não. Vou a passo.

De Ribeira Seca à Meta

Já aqui estou. Vou terminar. Mas não como gosto. Vou terminar com dores, vou terminar a andar, vou terminar desmotivada. Sem apetite nenhum para me voltar a meter noutra. É aqui e agora que dou razão àquelas pessoas que não percebem o que venho fazer à Madeira. Venho aqui estafar-me quando podia estar sentada na esplanada a beber a tal Coral e a comer as tais lapas enquanto esperava pelo Paul Michel. Essas pessoas não deixam de ter razão, de alguma forma.
Estou a avistar Machico, lá em baixo. Ainda tenho de descer. Até lá abaixo.
Estou a cortar agora a meta. Oiço aplausos. São para mim. Consegui cortar a meta.

Da meta a Chamonix

Não me apetece correr mais. Não me apetece ir a Chamonix. Aqui, hoje e agora. Acabou-se.
Vou tomar banho, vou jantar, vou esperar pelo Paul Michel na meta e depois vou dormir. Até amanhã.
Afinal, regresso da pérola do Atlântico desconchavada. Não só do corpo, mas também do espírito. Que grande coça…


Machico, 23 de abril de 2016

 
 9h24m | 43km
  


20 comentários:

  1. Quem tem razão é quem luta pelo que quer e acredita, até que lhe doam os ossos.

    Bjs, Macarena.

    Se não for antes, até Chamonix (quer dizer, tu corres e eu fico na esplanada com uma Carlsberg, ok?)

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    1. Bem escrito, JNR! Não cantei até que a voz me doesse, mas corri até que me doeram os ossos. Credo...
      Beijinho grande e obrigada

      (Se te visse em Chamonix na esplanada de Carlsberg na mão acho que me sentava e fazia-te companhia)

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  2. Tá mas é caladinha!!!
    Vai dormir que isso passa :D
    Vai mas é fazer as malas para Chamonix e traz de lá o "caneco"!!!
    Deixa-te de mariquices :D
    VALENTONA!

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    1. Mesmo! Já passou.
      Mas no dia, no momento em que cortei a meta atirei (psicologicamente falando) com a toalha ao chão.
      Esta roeu-me os ossos ;)
      Beijinho grande, minha querida Piolha

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  3. Livra-te ... é só isso que te digo!!!! Ok, e parabéns por esta!!!
    Beijinhos

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    1. Obrigada Carlos!!
      Já livrei! Sossega!
      Beijinhos

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  4. Gosto de te ler! De passear um pouquinho na Madeira contigo. De sonhar que um dia ainda faço isso. Os 42 claro, e é se for! Beijinhos e claro que hoje já estarás com outro ânimo! E Chamonix à vista! Obrigada por me inspirares.Ah! E outra coisa: isso das Postas...não é da fome que acabei de tomar o pequeno almoço mas só me lembro das Mirandesas, a sairem do carvão e cheias de sangue vermelho rubro a colorir o prato :)

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    1. Sem dúvida, 'Maria'... Já passou, sim. Mas nos últimos kms e a cortar a meta desisti. Foi um misto de conquista e derrota. De vez em quando acontece-me... Bate forte mas passa depressa, é o que vale...
      Beijinho grande!

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  5. Não interessa como nos sentimos antes, lá dentro é que há as surpresas. Umas boas, outras não. Mas quando não são boas, temos que saber que há dias assim e que na próxima tudo poderá ser diferente.
    Claro que isso de Chamonix é da boca para fora. Vais lá e vais ser feliz. Porque cortares a meta como cortaste na Madeira, é razão para felicidade, para sentires que mesmo feita num oito, tu conseguiste, tu aguentaste e tu venceste!
    Por isso e por tudo o resto, MUITOS PARABÉNS e em força para a próxima!

    Beijinhos, Anabela :)

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    1. Já me recompus, João! Já aqui referi: naquele dia foi um misto de conquista e derrota. Levei uma valente sova, tanto física como psicológica. Achei que estaria melhor. Possivelmente entusiasmei-me demasiado. Tenho de treinar mais, muito mais.
      Muito obrigada pela tua força!!
      Beijinho

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  6. Por acaso também divido a provas que faço (fazia) em postas e acabo todo as postas e a prometer não me meter noutra! Mas depois passa-me (passava-me).

    Então já gritam pela MACARENA!? Quem teria sido o raio do maluca que lhe arranjou essa alcunha!? :)

    Parabéns pela excelente prestação e beijinhos MACARENA!

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    1. Jorge, acredita que por breves segundos quando ouvi 'MACARENA' pensei: "isto é obra do Jorge, será que ligou a alguém para vir para aqui gritar??"
      Era a minha prima que lê o blogue e a quem eu já lhe tinha contado a história da Macarena.

      Jorge, a Macarena, ainda vai ficar conhecida por esses trilhos fora... Vai, vai...

      Beijinho e obrigada

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  7. E agora imagina como me senti quando, às 14horas e 34minutos de prova e a 6 km de Curral de Freiras, percebi que iria ficar barrado a meio da prova. Porque, também a mim, depois de uma queda a seguir ao Fanal, desgracei um joelho e subir/descer escadas era de todo impossivel a um ritmo que me permitisse ir passando os checkpoints atempadamente. :(

    Boa recuperação!

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    1. Muitos se queixaram dos joelhos. Aquela prova é tramada!
      Para o ano regressarás mais forte e sem quedas. Tenho a certeza que hoje estás mais forte: mais forte em aprendizagem, pelo menos. E isso será um grande trunfo no dia em que, ao chegares à meta, ajudarás o Filipe a levantar-se! ;)
      Beijinhos

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  8. Na próxima voce estará ainda mais preparada.
    Força,minha amiga Ana,voce é muito guerreira!!
    Abraços.

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    1. Vou fazer por isso, Jorge!
      Muito obrigada, abraço!

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  9. Anabela, força!
    Há provas assim e tu sabes que é verdade. Lá porque acabaste assim não significa que as próximas serão assim.
    Deve ter sido bem bonito correr na Madeira :)
    Parabéns aos dois pela conquista!
    Beijinhos

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    1. Muito obrigada Isa!
      No dia fiquei assim, quase sem fôlego e sem vontade de me meter noutra. Quando pensava em Chamonix dizia logo: "quero lá saber..."
      Mas já passou! ;)
      Beijinho grande

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  10. Este pessoal que está a comentar está aqui todo preocupado porque não te viram no dia seguinte, como eu! Pareceste-me muito bem disposta e não fiquei nada com a impressão que estavas desiludida! Mas pronto, também mal nos conhecemos, pode ter sido só impressão minha.

    É verdade, falhámos o brinde! O que ganhamos com isso é que agora temos que fazer dois em Chamonix!

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    1. No dia seguinte já estava bem melhor, claro. Como já disse: bateu-me forte mas passou-me depressa!
      Em Chamonix é que vai ser de brindar e a dobrar, sim!!
      Beijinhos, Filipe

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