21 de setembro de 2017

Ultra Trail de Mont Blanc 2017



Foi toda uma aventura à volta do Monte Branco.



Era impensável imaginar o que passámos, tudo o que vivemos. As alegrias e as angústias, abastecimento após abastecimento, sempre à espera e curiosos de ver a expressão do Paul Michel. Seria a expressão do desalento? Seria a expressão de quem trazia a faca nos dentes? A primeira coisa que fazia era fitar-lhe o olhar. Já o conheço. E digo para mim: “ele já vem com aquele olhar…” Os miúdos ficavam nervosos e estavam sempre a pressioná-lo para correr. No seu pequeno imaginário ainda lhes passava pela cabeça que o pai até pode vir a chegar à meta numa posição da frente. Mas a meio da prova perceberam, mesmo a sério, que a grande motivação do pai e dos outros era chegar ao fim.



Dois dias e duas noites de carro atrás do rasto. Atrás do rasto de um homem que em Novembro de 2012 decidiu que teria de mudar a sua vida. Deixar para trás 103kg, comprimidos para a tensão arterial e colesterol e tentar correr, pelo menos, ao ritmo da mulher. Meu Deus!! Como tu eras… Pensar que não me acompanhavas a correr…


Desde 2012 que te sigo o rasto. Escrevo sobre ti, (agora!!) corro atrás de ti e ultimamente dou-te apoio em provas. Carregada de saco ao ombro já conhecem “a menina do saco da Grivel,  lá vem ela com quilos de material ao ombro e um filho de cada lado”.


Levas sempre tudo. Levas sempre o saco carregado com tudo em excesso e a dobrar. Tal e qual o nosso coração: vai sempre cheio e a transbordar. Em cada abastecimento também abrimos o nosso coração e tiramos de lá (não géis, nem barras, nem Rehidrat), mas sim motivação e força. Tudo isto também levamos em excesso. A vantagem é que não pesa nem ocupa espaço. Dá para levar às arrobas.

Não tenho dúvida que os nossos filhos aprenderam por estes dias muitas coisas. Muitas mais certamente do que num ano inteiro enfiados em salas de aula ou a ouvir-nos ralhar com eles quando insistimos que devem ser assim ou assado ou devem fazer frito ou cozido. Estas experiências enriquecem e enaltecem valores que dificilmente são transmitidos por palavras.


Eu aprendi uma coisa importante: nas ultradistâncias, como na vida, devemos seguir etapa a etapa. Em cada etapa alcançada devemos rever todo o plano e confirmar a linha de continuidade que queremos seguir. Pode dar-se o caso de ser necessário mudar tudo ou apenas fazer pequenos ajustes. Passos curtos e pensados levam-nos mais longe. Ou pelo menos com maior probabilidade levam-nos ao fim.


"Pai, se quiseres desistir dá-me o dorsal que eu continuo..." ou então "Mãe, um dia fazes comigo a OCC?" - estas expressões arrancam-nos sorrisos do rosto mesmo depois de uma noite em branco e um cansaço acumulado que quase não nos deixa responder com entusiasmo. Aliás, foram as palavras deles que me ajudaram a suportar momentos de verdadeira exaustão. Cheguei a dizer: "fod"#$%&, antes fazer uma prova..."

No regresso a casa conversávamos sobre os desafios do próximo ano. Ficámos em silêncio. Uma prova apenas? Repetimos o Tor des Géants mas desta vez com apoio? Fazemos apenas provas de 10km em estrada? Fazemos uma prova apenas algures no outro lado do mundo e aproveitamos e fazemos férias em família? 

Com isto: “fecha-se um ciclo” – as palavras são tuas, não minhas. 

Faça-se o que se fizer será sempre da mesma forma: "põe quanto és no mínimo que fazes" - as palavras não são minhas, são de Ricardo Reis.



Quatro finishers!