25 de maio de 2016

Material obrigatório no trail

- Autor: Miguel Catarino -

E o apito? E as calças impermeáveis com o sol que se prevê? E a t-shirt de manga comprida? E a lanterna? E...
Preciso mesmo?
Tanta pergunta!
O que me assusta é que quem faz estas perguntas, não tem noção absolutamente nenhuma do que é a montanha. Ou se tem, tem muito pouca.
O pior é que são cada vez mais a questionar e isso assusta-me. O Trail está a crescer e muitas pessoas passam de correr na marginal para ir correr para a montanha sem terem noção que quando as coisas na montanha correm mal, é tudo muito pior.
O material obrigatório devia chamar-se: Material que eu vou precisar se me perder na montanha e tiver de pernoitar por lá, material que vou precisar se partir um pé e tiver de ficar horas à espera de um resgate, material que tenho de ter para se as condições climatéricas mudarem drasticamente conseguir sobreviver.
Normalmente as coisas correm bem e tudo acaba bem e as pessoas perguntam o porquê de ter carregado tanta "tralha" para nada. Pois é. O pior é quando corre mal!
Tenho imensas histórias na montanha, mas conto uma muito simples.
Num TrailCamp, saímos do Rossim com muito bom tempo. Sorridentes, subimos pelo vale glaciar a caminho da Torre. Ao chegar lá acima, as condições mudam drasticamente e de repente parecia que estávamos no inferno.
Ventos fortíssimos, muito frio e visibilidade reduzidíssima. Todos começamos o dia descapotáveis e todos tivemos de utilizar o que tínhamos na mochila (o tal material pesado e chato que incomodou na parte que estava sol). Foi o impermeável, as calças, o gorro, as luvas,...
A navegação até ao Rossim, pelo maciço central, foi feita por gps. Não se via mariolas, nem trilho, nem nada.
Se fosse durante uma prova, ou as marcações estavam de 2 em 2 metros, ou metade da malta ia-se perder.
Perder? Ok...qual é o stress?
É mesmo muito! Só quem já passou por isso é que sabe.
Lembrem-se que caminhos para Norte existem milhares, mas muitos passam em precipícios!
A melhor decisão é parar e esperar que a situação melhore.(caso não tenham gps)
Parar implica arrefecer muito, e em condições severas todo o material vai ser pouco.
Pode acontecer o mesmo à espera de um resgate. (lembro-me de um tipo no CCC que depois de torcer um pé, quase morria de hipotermia à espera que o socorressem, mesmo embrulhado na manta térmica. Valeu alguns atletas q o auxiliaram)
No meio da montanha um resgate demora horas! Horas!
O que eu acho que devia ser boa prática, pode parecer utópico, mas fica o conselho:
- Antes de se aventurarem em provas de trail, todos deviam fazer um curso de montanhismo, ou vir a um dos nossos TrailCamps.
Tenho a certeza que as perguntas do material obrigatório e os porquês acabavam.
- Estudar muito bem o sítio para onde se vai correr é obrigatório. Saber ler cartas militares, perceber a geografia do terreno que vamos pisar, permite-nos estar mais à vontade. Responder a perguntas simples como por exemplo: Quando estiver a correr em direção à torre no planalto central, é suposto o sol estar onde? Na minha esquerda, de frente, da direita? Vou cruzar linhas de água? Quantas? Etc.
- Levar sempre, repito, sempre, um gps. Se não for com o track da prova inserido( o que aconselho caso até tenham dúvidas na marcação) pelo menos que grave o track que estão a fazer. A função trackback já me safou muitas vezes!
- Caso possam (é um bocado caro) levem convosco um Spot. Eu quando vou sozinho, considero-o o meu melhor amigo. ( o spot é um aparelho que permite pedir socorro e localizarem-te em locais onde não podes utilizar o telemóvel)
Perceber que a montanha é um local fantástico, mas que de repente pode ser a nossa última morada, é ser sensato.
A montanha tem riscos. Temos é de ter consciência deles e tentar minimizá-los.
Havia muito mais a dizer. Eu já passei por muitas situações de risco e continuo a aprender. Tenho tido tb alguma sorte nesta aprendizagem.
Não sou nenhum anjinho!

Espero que este post (para os q tiverem pachorra de ler tanto) permita as pessoas que tanto perguntam, pararem para refletir um bocadinho. Se no final disserem que faz sentido, fico contente.

(Não retiro uma vírgula.)

6 comentários:

  1. Muito bem. Já tinha visto no FB.

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    1. Conheces o autor?
      Se não, vais conhecer em Agosto. ;)

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  2. Faz todo o sentido!
    Mas há a vários tipo de provas de trail com mais ou menos perigosidade, mais ou menos técnicas.
    Tal como ninguém se lembra de na sua primeira prova começar por uma ultra maratona também no trail não se deve começar pelo ultra trail duro e puro mas sim por provas fáceis, acessíveis, de baixa quilometragem e aos poucos ir subindo o grau de dificuldade e exigência das provas em que se participa.

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    1. Jorge, isso é ainda outra dimensão da discussão. As pessoas tendem a saltar degraus: um dia fazem uma prova de 10km em estrada, no dia seguinte fazem uma ultra de 46km na serra da estrela...
      Enfim... Nem sei como é que não há mais tragédias.

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  3. Texto simples e que deveríamos poder escrever, claro, pah.

    Mas, sabemos ou vamos lendo por essa nete fora que há quem não o perceba e não o faça, talvez por passarem demasiado depresa da Margina para a Loriga.

    E, em especial, por nem pensarem que essa passagem é mesmo brutal.

    Já andei perdido no Gerês, caminhada de amigos da faculdade e a questão foi essa, se não estivessemos preparados a coisa tinha corrido mesmo mal.

    Nesse mesmo dia foi resgatado um grupo de amigos de uma zona próxima, tido ido passear de calçao e sapatilha...p

    Partimos com 25ºC e apanhámos de certeza temperaturas negativas, nevoeiro em que eu não via a ponta do nariz, tão espesso que o meu passa-montanhas estava ensopado.

    E o que escreve o Jorge Branco é de alguém sensato, mas acredito que haja quem não o seja, li quem chegou ver "colegas" de sapatilhas de estrada nos Abutres...

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    1. Adoro a expressão: "da marginal para Loriga" :))
      Resume muito bem a questão!

      (Também ouvi essa dos Abutres. Incrível...)

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