16 de março de 2015

Ainda a Transgrancanaria




Depois de terminar a prova fui até à zona de finishers para jantar. Apesar de ter encontrado um autêntico repasto, verdade seja dita, desta vez a organização esteve bem, só consegui comer uma salada e beber uma coco-cola. Ainda mal me tinha sentado para comer e o meu joelho esquerdo começa a dar sinais de dores fortes, na zona da articulação interna.

Vou ao meu telemóvel e tenho duas chamadas telefónicas. Uma delas era do Paul Michel. Aconteceu alguma coisa. Liguei ao Mister e fiquei tranquila quando soube que ele estava bem e que apenas tinha ligado para saber de mim. Estranhei esta atitude. Não é normal. Algo se terá passado. Ele nunca me liga durante as provas.

Vou para casa, tomo banho e volto para a meta. Aqui começo a receber mensagens de amigos que me vão dando conta da sua situação. Onde está e a que horas se prevê que chegue. Sento-me e vou apreciando os atletas a chegarem à meta. Já sabem que me emociono sempre com as chegadas à meta. Vê-se de tudo: gente fresca, gente podre, gente que sorri, que chora, que já não corre…
Eram perto das 23h quando recebo um telefone do Paul Michel a dizer: “estou quase a chegar à meta. Estás aí?”

- “Estou. Como sempre”. (Até hoje nunca me ligou a dizer que estava quase a chegar. Ele nunca me liga.)

Levanto-me para o tentar ver e meia hora depois vejo uma luzinha que balanceia ao ritmo tão característico que é o dele a correr. Era ele. Vinha aparentemente bem. Corta a meta alegre a distribuir inclusive beijos pela assistência, imaginem… Sobe a rampa da meta e dá um pulo.



Vou ter com ele, abraço-o e ele pergunta-me: “acabaste a prova?” “Sim, acabei.” Disse-o nada vaidosa. Mas ele confessou: “nunca acreditei que fizesses isto. Por isso te liguei. Achei que te irias matar naquelas descidas. Nem jeito tens para descer a direito, quanto mais naquele terreno. Isto era horrível. Os últimos quarenta e tal quilómetros são horríveis, não se faz um percurso destes numa prova destas. Anda vamos berber uma cerveja”

125Km depois, 24h depois ele só quer beber uma cerveja e ir para casa.


Aguentas-te aí em pé para tirar uma foto?

* FIM *


Não há mais a contar. Mas queria deixar bem claro que foi muito importante ter ido até à TGC. Se me perguntarem se recomendo esta prova, respondo categoricamente NÃO. Se é para viajar e gastar dinheiro há locais e provas muito mais interessantes. Mas esta prova, para mim, ou para nós, teve uma componente muito positiva: foi uma grande aprendizagem a vários níveis, e que nos pode ser muito útil no futuro.

Não contava com aquele terreno, não contava com aquela dureza de terreno, não contava com tão fracos abastecimentos. Fui ensinada a ser quase auto-suficiente em qualquer prova. Costumo ir carregada que nem burro. De todas as outras vezes digo a mim mesma: “vês, afinal, para que levaste isto tudo? Trazes tudo de volta. Não utilizaste nada”. Pois é. Até ao dia em que vais a uma prova e utilizas tudo o que levas, porque se assim não fosse terias ficado lá, a meio do caminho.

Para terem noção, além de todo o material obrigatório, e que não era pouco, levei duas bisnagas de gel, quatro saquetas com pó isotónico para misturar em água quando chegasse aos abastecimentos, duas barras energéticas, um concentrado de frutas e uma flapjack (um bolo concentrado altamente calórico). Regressei apenas com a flapjack. Dei a uma barra energética a um atleta e Magnesona a outro que se queixava bastante dos gémeos.

Tive de aprender a gerir os líquidos. Consumi 6 litros de líquidos durante toda a prova. A dada altura, a meio da prova, no pico do calor, percebo que já tenho pouca água. Tenho de fazer a gestão da mesma. Nunca passei propriamente sede, mas tive momentos em que me apetecia beber sofregamente e só podia molhar a boca. Neste momento lembrei-me do Paul Michel e das sensações que descrevia na Marathon des Sables…

Aprendi a gerir as dores. Pela primeira vez, numa prova, tomei paracetamol (que também levava comigo, além da Magnesona, já a pensar que o meu pé me podia pregar uma partida). Mas o paracetamol só me aliviou ligeiramente. Sabem o que me aliviou as dores? Adivinhem? Comecei a cantar bem alto, provocando inclusive alguma risota em alguns atletas que passavam por mim. Lembro-me ir a cantar o Footloose em altos berros! Enquanto cantava alto, mistura uns pseudo-gritos de dor para ninguém desconfiar. Que figura… Valia tudo.

Trago comigo a maior das medalhas de finishers: o ensinamento que nestas provas longas devemos tentar mesmo ser auto-suficientes. Devemos levar connosco tudo aquilo que achamos que vamos precisar: alimentação, hidratação, medicação.

A toda a comitiva portuguesa que conheço e que comigo privou estes dias só tenho que enviar o maior dos abraços. Foram todos GRANDES. Todos terminámos e com desempenhos, ao nível de cada um, muito bons.

Para testemunhar o meu estado de espírito, e para que acreditem que o relato da prova não foi piegas ou exagerado, aqui fica a foto da chegada à meta.


Agora digam-me: até hoje, quantas vezes já me viram chegar assim?




Mas o pior, pior, pior de tudo sabem o que foi? Não vi o Krupicka. Nem a Fernanda Maciel. Só vi a Núria Picas, e à distância.

Tudo me correu mal, não tive sorte nehuma... :)

25 comentários:

  1. Gostei do que trouxeste contigo!

    E o Paul... depois daqueles km todos acaba com um pulo?!? Ah herói!!! :)))

    Beijinhos e força para a próxima (e que a próxima seja uma meta de sorriso rasgado!)

    ps - Now I gotta cut loose, footloose
    Kick off your Sunday shoes
    Please, Louise, pull me off of my knees
    Jack, get back, come on before we crack
    Lose your blues, everybody cut footloose

    Eh eh!

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    1. A próxima, em Cortina, quero que seja com esse sorriso rasgado, João! É assim que me vejo na corrida. Não de outra maneira.

      Já me ri a ler a letra e a recordar-me da minha figurinha... Eheheheheh
      Beijinhos

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  2. Muito, muito boa a experiência que viveste...uma aprendizagem dessas só é possível assim...e o Paulo a saltar depois de uma empreitada daquelas??? Vocês são uns campeões e uma inspiração para mim... obrigado tb pela partilha, aprendemos sempre alguma coisa....sabes que eu vou sempre carregado como um burro, para provas que nada tem a ver com esta....e na partida sinto-me sempre um bocadinho pró mal ao ver a maior parte daquela malta apenas com cintos, ou mochilas minúsculas e eu ali com 4Kg às costas :) ....até à data tenho trazido quase tudo de volta, mas continuo a levar ....um dia, se precisar, vou estar preparado....e já tenho ajudado muita gente à custa disso...
    Beijinhos para ti e um abraço para o Paulo

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    1. Eu sempre fui com tudo e mais alguma coisa, mas nunca precisei. Ficava sempre com aquela sensação injusta de ir carregada e os outros mais leves. Até ao dia... Até ao dia em que dás graças por levar tudo o que precisas e ainda conseguires ajudar os outros.

      Beijinho, Carlos!

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  3. Como tal, tu cantas e ele dança :)?

    espirito de equipa :)

    E realmente não tem cara de chegada à lá Anabela...

    Bjs (e abraços)

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    1. Em Cortina verás uma chegada à La Anabela com direito a dança e rodopio!!!
      Beijinhos grandes!

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  4. Essa já ninguém te tira do curriculum!!! Estou emocionado pois tinhas a T-shirt mágica!!! Podes ser pequena no mundo do trail mas para mim és enorme no coração de muitos que se revêm na causa da divulgação dessa terrível doença. Beijinho e muito mas muito obrigado! Dá aí também um abraço ao Paul...Esse anda bruto a correr!

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    1. É isso Carlos! Está feita. Pronto.

      Já o disse e repito: o que mais retiro do trail não são as medalhas, são as experiências, os sentimentos e as pessoas.
      E dou esse abraço ao bruto do Paulo, dou!! Também acho que ele anda tolo, mas enfim...
      Muitos beijinhos Carlos

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  5. Todas as provas são um ensinamento e essa foi isso mesmo que te deu, ensinamento.
    Já vos disse que vocês são o casal mais TOP do mundo das corridas!? :)
    Quando for grande também quero ehhhehheeheh (brincadeira) :)

    Vocês são fantásticos. E o Homem que faz 125Km e ainda salta ao chegar á meta!? Que ainda por cima tem uma rampinha?! eheheh VALENTE!

    Não, não gostei nem um pouco da última foto. Nada mesmo. Não é assim que devemos acabar as provas. E não é assim, que tu terminas as tuas.
    Por isso ainda fico mais orgulhosa de ti!! Foste uma guerreira!!! :)
    Magnifica!!

    Se houvesse um prémio para o melhor casal em provas, vocês sem sobre de dúvidas ganhavam!!!
    Continuem assim!!

    Beijinhos enormes

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    1. Ainda não se lembraram desse prémio: casal maravilha! Mas, olha, tínhamos fortíssima concorrência: Isa e Victor não deixam créditos por mãos alheias! :)))

      Pois foi, minha linda, foi um grande ensinamento prático. Nada que na teoria não soubesse, mas nada como experienciar as dificuldades e dar a volta por cima. Por isso o saldo final é positivo.

      Beijocas grandes!

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  6. Emocionei-me com o vídeo da chegada do Paul Michel e com a prova da "Marcarena" para mim ela está no top ten!
    Beijinhos.

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    1. Eu emociono-me sempre com as chegas de qualquer atleta. Enfim, admito que não me emociono assim tanto com a chamada elite. Emociono-me muito mais com a cauda do pelotão. São estes os meus atletas favoritos, aqueles que fazem maratonas acima das 4h :)))

      Aqui a Macarena já está pronta para outra!!
      Beijinhos

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    2. Hmmm...pensava que era um dos teus atletas favoritos mas enganei-me...tá aqui a prova provada...."São estes os meus atletas favoritos, aqueles que fazem maratonas acima das 4h :)))" ...deixa-te andar que vais ter muitos amigos :):):)

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    3. Não sejas invejoso... Tu estás na categoria "atleta que faz ultras acima das 6h" LOL

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  7. Como dizes, foi uma aprendizagem... Mas são tão difíceis estas situações.
    Beijinhos, que a próxima seja muito melhor, tens força para isso!

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    1. Acredita, Rute, que a próxima vai ser melhor. Oxalá não tenha lesões. Se estiver em forma irei fazer Cortina mais forte e segura. E no final, mais feliz, claro! ;)
      Beijinhos

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  8. Anabela, Parabéns para ti e para o Paulo!
    Mais um desafio vencido e muito mais experiência na bagagem.

    Beijinhos

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    1. Muito obrigada Vitor!!
      Sem dúvda que sim: uma experiência na bagagem!
      Beijinhos

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  9. Parabéns ao casal, pelo amor ao esporte e pela determinação com que encaram seus desafios.Abraços.

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  10. Tudo corre mal? Levas dai uma lição para a vida! Só por isso correu muitissimo bem!

    Força e animo! Estivestes muito bem

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    1. É verdade, Sérgio. Tens toda a razão.
      Valeu muito por isso. Pela aprendizagem.
      Obrigada! Beijinhos

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  11. Bem, de facto, a chegares "assim" à meta, a coisa não te deve ter dado alegria nenhuma, mas continuo a achar que algo mais te fez viver, sentir e ver a prova "assim" de forma tão negativa... E olha, essa tal descida de pedra solta com precipícios ao lado onde só te preocupavas em não cair, era nessa foto que aqui tens? Não me parece tão assustador como descrevestes mas se calhar não era aqui... Bem...Vou continuar a ler :) e mulher, foste uma valente! Estou a adorar ler—te!

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    1. A foto deste post não é da pior zona. Aí, para teres uma ideia, não estava ninguém a tirar fotos. Quem é que quereria ir para lá? Safa... Zona inóspita e perigosa.
      Bjs

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