Até ao Pico do Areeiro
Comecei agora a prova
e estão a doer-me os músculos. Não é bem dor, não comeces já com as merdinhas
das dores. Sinto os músculos presos. Devia ter feito um treino leve ontem ou
antes de ontem, ajudava a soltar os músculos. Já vou na cauda do pelotão como de
costume. Mas não me interessa, sei que no fim vou ultrapassar imensa gente. É
sempre assim. A minha estratégia é conhecida como “de trás para a frente”. E
resulta sempre. No final farto-me de papar gente. Ahahahah… Gentinha tonta…
Olha para isto, vai tudo a abrir… Quero vê-los a subir para o Poiso.
Ena, tanta comida. Mas
não tenho fome. Ainda só fiz 4,5km e esta subida não foi nada de especial. Mas
é melhor comer. Vou atacar a marmelada e as laranjas. Tau! Já está.
Já me disseram que
agora é ligar o turbo. É sempre a descer. Quando me dizem isso desconfio
sempre. Deve ser, deve… Já aprendi a lição que há gráficos e conversas enganadoras.
Do Pico do Areeiro até Ribeiro Frio
Que troço porreiro,
pá… Tem dado para correr. Ali atrás ainda apanhei uma descida muito inclinada e
por isso fi-la devagar. Já sabes, não é? Patareca como és, o melhor é ir
devagar.
Além disso, esta malta
é porreira, tem dado para conversar com algumas pessoas. E agora começam a
passar os primeiros atletas da prova dos 115km. Impressionante: aqui já trazem
cerca de 80km nas pernas e ainda têm a distinta lata de passar por mim a correr
e a bom ritmo. Brincalhões!
E eu? Olha, para já sinto
os músculos mais soltinhos. Ufa… Mas começa a doer-me o joelho. Estranho… Nunca
me doeram os joelhos. Só o meu piriforme (o tal que me fez pensar que era
ciática, lembram-se?). Até agora ainda não deu sinal. Até estou com medo de me
lembrar dele.
Cabrão do joelho. Era
o que me faltava agora…
Aqui no abastecimento
já há malta a desistir. Uma, da minha prova, vem a vomitar. Outro, da prova dos
115km, vem exausto. Pois… Treinasses!
Mais marmelada, mais
laranjas e agora frutos secos. Dizem que a subida é dura.
Vamos lá a ela. E o
calor que está?
De Ribeiro Frio até Poiso
(Agora é a subida mais
difícil, dizem).
Isto é que é uma
subida difícil? Esta gente sabe lá o que é subir… Ou então os treinos deram
resultado. Na boa! Que fixe, pá. Estou a fazer isto nas calmas. A continuar
assim vou fazer um tempo-canhão. O Paul Michel vai ficar orgulhoso.
Do Poiso até Portela
Sempre a descer! Um
autêntico massacre, o chamado rompe pernas. E como os treinos a descer foram poucos,
claro que estás a pagar a fatura. Chego aqui à Portela com dores no joelho
esquerdo. Não saio daqui sem tomar um paracetamol.
Olha que surpresa! A
pequena Babá (5 anos), a tia Adosinda e a prima Paula. E de megafone em punho a
chamar-me, imaginem… MACARENA
A pequena Babá tem consigo
três balões que me quer oferecer mas explico-lhe que ainda falta muito para chegar
à meta e que não os podia levar. Abracei-as, apesar do meu cheiro nauseabundo,
e sigo a pensar que ainda me faltavam três postas para acabar a prova.
Aqui, na Portela,
estão a desistir vários atletas. Todos se queixam dos joelhos e das unhas dos
pés.
Da Portela até Larano
Saio da Portela e apanho
agora o percurso mais corrível da prova. Que frustração! Apanho agora terreno bom
para correr e não consigo. O joelho está a massacrar-me. Não acredito nisto.
Km30. A tão falada
descida do Larano. Bem me disseram que aqui é que era o verdadeiro rompe
pernas. Sem dúvida. Quem é que se lembrou de nos enfiar aqui? Esta mania ou
moda de no final das provas nos enfiarem em trilhos técnicos, a roçar a
aventura tipo Indiana Jones… Começa a deixar-me furiosa. E olhar para o meu
lado direito??? Se alguém cai aqui… A atrapalhar mais a coisa já oiço a malta
dos 115km a vir aí com as pressas…. Bonito!
Sim, sim, sim!!! Eu
chego-me para o lado, calma!...
Se não fossem estas
duas madeirenses a fazerem-me companhia… Ainda me rio com o sotaque e as
piadas. Uma acabou de dizer que “se lhe parou o relógio. E que não sabe que pé
é que tem de pôr…” Opá, que duas figuras! Comigo, três!
De Larano até Ribeira Seca
Novamente uma
excelente parte do percurso para correr. Mas não consigo. Vou enviar-lhe um SMS:
“Km 36. Toda lixada. Trekking até à meta. Não me chateies” E ele não me
chateou.
Lembram-se da conversa
do trás para a frente? Pois… Desta vez, ardeu. Aqui onde seria suposto estar
bem… Estou feita num oito. Estão a passar por mim vários atletas. Que
frustração… Era aqui que podia ganhar terreno, que podia ganhar posições e que
me sentiria bem e feliz rumo à meta… E não. Vou a passo.
De Ribeira Seca à Meta
Já aqui estou. Vou terminar.
Mas não como gosto. Vou terminar com dores, vou terminar a andar, vou terminar
desmotivada. Sem apetite nenhum para me voltar a meter noutra. É aqui e agora
que dou razão àquelas pessoas que não percebem o que venho fazer à Madeira.
Venho aqui estafar-me quando podia estar sentada na esplanada a beber a tal
Coral e a comer as tais lapas enquanto esperava pelo Paul Michel. Essas pessoas
não deixam de ter razão, de alguma forma.
Estou a avistar
Machico, lá em baixo. Ainda tenho de descer. Até lá abaixo.
Estou a cortar agora a
meta. Oiço aplausos. São para mim. Consegui cortar a meta.
Da meta a Chamonix
Não me apetece correr
mais. Não me apetece ir a Chamonix. Aqui, hoje e agora. Acabou-se.
Vou tomar banho, vou
jantar, vou esperar pelo Paul Michel na meta e depois vou dormir. Até amanhã.
Afinal, regresso da
pérola do Atlântico desconchavada. Não só do corpo, mas também do espírito. Que
grande coça…
Machico, 23 de abril
de 2016
9h24m | 43km