Sábado passado aconteceu pela primeira vez na Europa a Night Run. Lisboa foi a cidade escolhida.
Lisboa que esteve, até uma hora antes, debaixo de água. Água essa que deixou as ruas escorregadias. Ruas essas que não se encheram de pessoas. Pessoas essas que não aplaudiam o evento. Evento esse carregado de fluorescente e "pirilampos" saltitantes que obrigavam a desviar o olhar. Olhares esses que questionavam o porquê de se estar a correr aquela hora da noite. Noite essa que nos presenteou com uma temperatura amena e nuvens cinzentas. Nuvens essas que esconderam a lua. Lua essa que não foi precisa para iluminar o percurso. Percurso esse que se fez, com pouca animação, pelas ruas da cidade. Cidade essa que se iluminou de cor, movimento e alegria. Alegria essa que só se via no rosto de quem participava numa das provas que se quer como a mais animada do mundo. Mundo esse que gira e carrega sobre si corredores ávidos de alcançar uma boa marca em prova. Prova essa que teve 10km de pura descontração sobretudo para veteranos e não tanto para principiantes. Principiantes que não escondiam o nervosismo e a vontade de correr pelas ruas de Lisboa. Lisboa essa que não adormeceu sem que o último corredor cortasse a meta...
Foi assim a Night Run Portugal 2013.
A Night Run poderia ter sido, para mim, apenas mais uma prova de 10km. Mas não foi. Foi uma prova da qual guardarei boas memórias. Porquê?
Faltava apenas meia hora para a partida encontrei-me com a Ana, a Fiona e o Bluesboy. A partida dá-se e estes dois já iam endiabrados. Por duas vezes ainda olharam para trás, mas eu e a Ana seguimos ao nosso ritmo e lá lhes disse: "Ide à vossa vida!" Fazia questão de acompanhar a Ana. A Ana é uma amiga que iria fazer pela primeira vez uma prova de 10km.
Ainda nem sequer tínhamos chegado à Praça do Comércio quando deixei de os ver. A esta altura a Ana estava muito bem. Quando começámos a subir em plena Praça dos Restauradores abrandámos um pouco. Subidas são sempre subidas. E para quem não está muito habituado a fazê-las custa um pouco. Já no retorno a Ana começa a sentir dor de burro, neste caso, dor de burra! :) Disse-lhe para abrandar e passados poucos minutos parámos um pouco para ela fazer uma "espécie" de agachamento. Comigo resulta sempre, com ele resultou assim-assim.
A zona do Rossio e da Av. da Liberdade tinha algumas pessoas a ver, mas infelizmente pouca gente aplaudia e dava ânimo aos participantes. Quem mais o fazia era, como costume, os estrangeiros! Ouvia-se: "go, go, go"! E até um "Run, Forrest, run!"
Eu gosto particularmente de ver as pessoas envolvidas nas provas, a vibrar, a aplaudir, a gritar... Aqui houve muito pouco disso.
Continuámos no nosso percurso até se dar a separação com a prova dos 5km em pleno Terreiro do Paço. A partir dali começou a parte mais aborrecida da prova. O percurso até (quase) Alcântara dá-se por ruas desertas e desprovidas de qualquer animação. Nesta fase da corrida eu só fazia duas coisas: ou perguntava à Ana como ela se estava a sentir ou olhava para a outra faixa de retorno da prova para ver se via pessoas conhecidas. Vi a Piolha, vi os Tarahumara e fui vendo outras caras conhecidas.
O retorno dá-se quase a chegar à Av. Infante Santo onde ouvimos uns simpáticos: "vá, já falta pouco! Força!" A propósito disto faço daqui um reparo. Aborreci-me por duas duas vezes com os voluntários.
Passo a explicar: voluntário significa alguém que realiza uma ação de livre vontade, sem receber qualquer remuneração. Se o faz de livre vontade é porque gosta ou acredita na causa. Por isso mesmo, deve essa ação ser realizada com todo o empenho e dedicação (até mais do que se fosse remunerada, em meu entender...). Se assim não for, mais vale não ser voluntário. Ser voluntário não é fazer figura de corpo presente, é trabalhar como se não houvesse amanhã! É acreditar na nossa causa, seja ela desportiva, social ou outra.
Ser voluntário num evento desportivo desta natureza - e sobretudo numa prova que almeja ficar conhecida como a mais animada do mundo -, significa, acho eu, incentivar os participantes: gritar, pular, cantar, fazer striptease... Qualquer coisa! Tudo menos estarem em grupinhos, à conversa e sem sequer dar qualquer tipo de apoio aos participantes! (Obviamente que esta crítica não é extensível a TODOS os voluntários, certamente alguns terão feito um bom trabalho, mas por duas vezes encontrei grupos que conversavam ou que estavam impávidos e serenos a olhar...). Não pode!
[Fim do momento Diacóno Remédios.]
Já quase a chegar ali à zona do Cais do Sodré a minha memória obriga-me a sorrir. Lembro-me das minhas noitadas com as amigas ali pelo Jamaica, Pensão Amor... Engraçado... Como a minha vida mudou. Agora o meu conceito de sair à noite com amigas é bem diferente... Desafio uma amiga para ir correr até que chega um dia e ela vai fazer uma prova! E depois de fazer a prova termina assim: feliz e com aquele sorriso no rosto!
Sorte a da organização que tem caras destas a cortar a meta!
A madrinha babada atrás da sua afilhada!
Antes da prova houve tempo para
socializar um pouco com alguns elementos da organização e registar um
momento com um grande atleta que representou Portugal nos Jogos
Olímpicos de Atenas, em 2004, arrecadando a medalha de prata nos 100m.
Ana, Francis Obikwelu e eu.
Já no final quem me chama?? A Marta! Ali estava ela, simpática, à minha espera (tal como lhe pedi quando a avistei: "espera por mim na meta!"). E ela esperou! Houve tempo para uma troca de palavras e perceber que a Marta é uma menina cheia de força e que vai longe!
Eu, a Ana e a Marta: todas com ar de enfado, não é?
Depois de ver a Marta ainda tive tempo para uma breve troca de palavras com os Tarahumara, que também aguardaram na meta. Grupo muito simpático que vive a corrida com um espírito semelhante ao meu. Continuem a marcar presença por essas provas fora, pois o encarnado das vossas t-shirts inspira aquele sentimento forte... A paixão... A paixão pela corrida!
Para mim, a Night Run poderia ter sido apenas mais uma corrida de 10km. Teve animação no Terreiro do Paço, muitos figurantes, muitos participantes, mas para mim esta corrida foi muito mais que isso. Foi o sentir mais uma história como tantas outras que existem. Existem muitas 'Anas' por aí, muitas 'Martas', muito 'Tarahumaras'. Muitas mulheres e homens que um dia saem de casa e decidem começar a correr. Uns com motivo, outros sem motivo. Correm porque sim e porque não. Cansam-se porque correm. Choram porque correm. Sorriem porque correm. Lesionam-se porque correm. Ganham troféus porque correm. Batem recordes porque correm. Desistem porque correm. Mas acima de tudo... Correm e são felizes! E são felizes porque correm!
A Ana é mais um exemplo de alguém que acha que a sua vida vai para além do trabalho e da família. Perguntem à Ana, quando a virem, se ela não é mais feliz? Perguntem à Marta, se a virem, se ela não é mais feliz? Perguntem aos Tarahumara se os virem (é fácil, correm de encarnado!) se não são mais felizes?
Boas corridas e sejam felizes!