29 de abril de 2014

Gerês Trail Adventure

Este fim de semana realizou-se em Portugal uma prova de trail inovadora: três dias, três distâncias, três etapas: o Gerês Trail Adventure (GTA). Eu não participei, mas fui até lá ver as modas.


Quanto ao local onde a prova se realiza, o Gerês, creio não ser necessário tecer qualquer comentário: paisagens devastadoras do ponto de vista da beleza natural. Um local bucólico como o Gerês dispensa descrições.

 

Apesar de não ter participado, aproveitei a deslocação e fiz dois treinos naquele ambiente. Seguindo os trilhos marcados para as provas consegui fazer uma caminhada de três horas no sábado e uma corrida de 10km no domingo. Basicamente foi uma espécie de «estás na prova sem estar em prova».


No sábado apanhámos temporal. Chuva, vento e nevoeiro. Não fazia frio. Apenas quando o vento soprava mais forte, e pelo facto de estar molhada, é que sentia alguns arrepios de frio. Mas isto era por breves momentos. Grande parte da caminhada foi feita confortavelmente por entre nevoeiro e alguns pingos de chuva. As paisagens são de cortar a respiração. Desfrutar do que a natureza nos oferece ainda que sob debaixo de chuva intensa consegue ser apaixonante e, ao mesmo tempo, divertido.




No domingo o dia convidava ao passeio naquele parque natural. Estava sol e a temperatura amena. Estava a preparar-se um dia de festa. E foi mesmo uma festa. Os atletas partiram para a última e mais curta etapa. Eu saí meia hora mais cedo e comecei o meu treino na Pedra Bela. Aqui, com esta vista:



Estes quilómetros foram um bocadinho atribulados porque em algumas zonas o trilho estreitava de tal maneira que o meu até pé cabia, já o rabo, esse, tinha alguma dificuldade em passar! Nestas zonas tinha de me encolher para deixar os atletas passar. O meu treino foi duro, muito duro. Acreditem que pela primeira vez me custou mais fazer descidas que subidas. É que nas subidas dá para parar, naquelas descidas não! Houve uma altura que vi a minha vida por um fio. Apanhei tal balanço que comecei a rezar para a descida acabar, pois já não conseguia abrandar. Só pensava: “miúda, tu põe-me esses pés no sítio certo, senão vais virar atracção turística para observadores de espécies autóctones”!!!

Adiante. Estavam por lá amigos que já foram à semana UTMB e me falaram do tipo de percurso que vou encontrar no Monte Branco. Se as subidas são duras, as descidas não são menos. E porque no Gerês fiz mais descidas que subidas, percebi que a dureza do desafio, para mim, é de impor respeito e cautela.

1/2 selfie

Nessa manhã desci dois quilómetros muito íngremes. Fiquei logo ali com um andar novo. Já não tinha força nos quadríceps para travar. Já sentia a dor nestes músculos, já os sentia a reclamar comigo como que a implorarem para parar. Portanto, também se avizinha muito treino de força, todos os dias, como sobremesa! A juntar a isto o meu rabo gordo! Por isso, tenho outra palavra de ordem: DIETA!!!!!!!! Tenho de perder 5kg até Agosto.


Não sei bem como vou prescindir dos caracóis e das imperiais. Como vou deixar de lado os petiscos de verão?… As ameijoas à Bulhão Pato com aquela molhangaça cheia de alho onde gosto tanto de molhar pão, as mariscadas bem regadas com Alvarinho, os fins de tarde e beber gin tónico aromatizado com cardamomo e umas cacahuetes salgadas… E vou deixar tudo isto para?…

…Para ir para o Monte Branco, quem sabe apanhar um tempo infernal, perder duas ou três unhas nos pés, cair e esfolar os joelhos, com sorte ter umas caibras nos gémeos e atirar-me para o chão aos gritos, passar um dia a comer barritas e géis, ter de fazer xixi no monte atrás de uma pedra…

Por isso, caríssimas e caríssimos, a partir de agora informo que tenho vários objetivos: não só treinar, treinar, treinar… Como também: deixar de comer, deixar de comer, deixar de comer…

Já tenho plano de “ataque”: vou fazer a dieta dos 31 dias da Ágata Roquette. Preciso de uma bíblia, de um guia. Algo que cumpra à risca para depois ver resultados. Plano de treinos também já tenho: outra bíblia que preciso para me tornar uma F#rnand% Mac&%el (credo, agora até me deu tosse…)


Por isso, já tenho tudo: dieta, plano de treinos, equipamento novo (comprei uns trapinhos novos que só vos digo… Vou ficar um chuác!!), motivação ao rubro, focalização no objetivo…

E pernas? Bom, para já ainda não, mas vão aparecer!! Confiem em mim! Alguma vez vos desiludi???

(Se não conseguir, volto ao Gerês, às barraquinhas no centro da vila e tenho a certeza que vou arranjar uma erva que me vai resolver todo e qualquer problema da minha vida de corredora!)



Até já! E treinem, ouviram?? Isto sem treino não vai lá...

23 de abril de 2014

Treinos na Páscoa


Terminada a saga MDS é tempo de abrir outra porta: Chamonix. Acabaram-se as desculpas para ser mandriona. Os treinos do Paul Michel já não servem para me enganar a mim própria. Tenho de começar a impor uma disciplina rigorosa nos treinos senão irei enfrentar o meu grande desafio a tremer das pernas. E, sinceramente, não me apetecia mesmo nada arrancar da meta com a sensação de medo e de receio. Enfrentarei Chamonix com enorme respeito e cautela, mas com medo não.

O período de férias da Páscoa levou-nos a tirar uns dias de descanso. Não tivemos grande sorte porque uma virose apareceu como se de um ovo Kinder se tratasse. Primeiro os miúdos, depois eu e finalmente o Paul Michel que, por estar mais debilitado, foi quem mais sofreu com este bicho. Ainda assim, eu consegui recuperar a tempo de aproveitar a natureza e em três dias fazer três treinos! Sim, leram bem: três dias, três treinos! Linda menina... Digam lá!...

Tudo isto aconteceu na Pampilhosa da Serra. Na sexta-feira eu, o Paul Michel e o Jean Charles, fizemos o percurso Pampilhosa da Serra – Covões, sempre em trilho. Este percurso já é conhecido e faz-se muito bem. São 8km com muito pouco desnível. Escusado será dizer que fiz três paragens pit-stop. Dispenso-vos dos pormenores, mas faço daqui a minha vénia ao Papakilómetros e aos seus ensinamentos quanto a equipamento obrigatório quando se vai para o mato!

No sábado treinei sozinha. Optei por um percurso à beira estrada e noutra direção. Segui pela estrada que vais para Góis. Este percurso é SEMPRE a subir. A inclinação é ligeira mas é seeeeeeemmmpre a subir. Terminei o treino abruptamente quando três cães começaram a ladrar lá ao longe. Avistei-os e decidi dar meia volta. Acabei por fazer apenas pouco mais de 5km. Este dia foi fraquinho.

Domingo pela manhã foi o melhor dia. Fomos conhecer um percurso novo. Juntamente com um amigo, que fez de cicerone, fomos descobrir trilhos há muito existentes mas perdidos. Trilhos que outrora serviram de caminho para as populações locais se deslocarem entre localidades. A grande novidade deste trilho é que não tem desnível absolutamente nenhum, o que na Pampilhosa da Serra é quase um enigma. 

Pelo que soube vai ser um percurso pedestre, devidamente sinalizado, com algumas infraestruturas de apoio. Mas o que destaco deste percurso é a sua beleza natural. Ao longo dos 10km percorridos temos a possibilidade de ver três ou quatro quedas de água, que de inverno devem oferecer uma imagem e sonoridade digna de sonho ou filme de aventura. Vi casas abandonadas, apreciei a vegetação e tudo isto sempre junto ao caudal do rio Unhais. O percurso parte da vila da Pampilhosa e segue até à Ereira (ponto de retorno), onde temos a possibilidade de tomar uma bela banhoca.


O trail da Pampilhosa da Serra não vai passar por aqui, mas passará por outras zonas igualmente bonitas. De qualquer modo, caso optem por fazer um fim de semana na Pampilhosa da Serra – programa que aconselho vivamente -, estão convidados a fazer uma caminhada na véspera do trail nestas belas paisagens. Desta vez, farei eu de cicerone.

Confirmem se tenho ou não razão.











 





Está assim aberto o caminho rumo ao Monte Branco.

Boas corridas!

Fotos: Gonçalo Diogo, o cicerone.

21 de abril de 2014

6ª etata da MDS em imagens (e discurso direto)

Hoje é que era mesmo o último dia. Acordei às cinco e meia da manhã com o sol a entrar na minha tenda. Tive a sorte de assistir ao nascer do sol no meio do deserto do Sahara. Aliás, tive também a sorte de dormir no meio do deserto. Não há céu como aquele, sabiam? O céu mais parecido com aquele é talvez o do meu Alentejo.


Fui tomar o pequeno-almoço na tenda da organização. Olhei à minha volta e lembrei-me dos campos de guerra. Estão a ver aqueles cenários de guerra com acampamentos militares onde de manhã se vêm panelas a deitar vapor e militares a fazer fila para receber a ração de combate? Pois era exatamente a imagem que os meus olhos captavam. A diferença é que ali as pessoas tinham cara alegre.

Combinei com o Paul Michel na meta do lado esquerdo (os nossos pontos de encontro em qualquer prova são sempre 'na meta do lado esquerdo'). Uma hora antes já lá estávamos a aquecer o lugar. Ou melhor, o sol é que nos estava a aquecer a nós. Às 8.30m da manhã já estavam 28ºC.








Marco Olmo, 66 anos, começou a enfrentar o deserto aos 40 anos. Com 58 anos tornou-se Campeão Mundial ao vencer o Ultra Trail du Mont Blanc e já foi duas vezes 3º lugar na MDS.
E é uma joia de moço :)))


Feito o briefing e os cumprimentos por parte da organização deu-se início à última etapa da 29ª edição da MDS. E eu também estava lá! Estava excitadíssima por ir correr no deserto!

Foi nesta etapa que conversámos e ele me foi contando episódios e situações de toda a semana. O que ele passou, o que os outros passaram, o que sofreu, o quanto chorou, o quanto sorriu, o quanto e com quem gritou, o que sentia quando chegava à meta, o que sentia quando chegava à tenda…

"A primeira etapa foi muito, muito difícil. Não estava à espera. Dos 34km de etapa, cerca de 15km foram feitos em dunas que pareciam paredes. Subia uma e avistava outra, subia essa outra e via mais uma. Foi isto durante 15km com 42.ºC. Esse era o dia em que a mochila me pesava mais. Com receio do meu pé e com aquele terreno decidi fazer a etapa toda a caminhar. Nesse dia pensei: se todas as etapas forem como esta, eu desisto. Juro que me passou isso pela cabeça".



"Houve um dia em que uma mulher se agarrou a mim a implorar água. Disse-me que estava ali há mais de meia hora parada a pedir água aos atletas que passavam. Por segundos hesitei em dar-lhe água, pois pensei: daqui a 5km sou eu... Nesta prova ou matas ou morres." 


"Sabes o que é chegar ao fim de uma prova estar tão exausto que nem consegues comer? Depois de descansar um pouco lá me obrigava a comer. Mas ficava sempre com fome. Adormecia com fome e acordava com fome. E corria com fome."



"Todos os dias de manhã avistávamos um grupo de pessoas em fila indiana que, quase que por vergonha, atravessavam o acampamento como se estivessem a despedir-se de nós rumo ao corredor da morte. Todos seguiam cabisbaixos atrás de um elemento da organização. Eram os que desistiam. Iam embora."

Isto não são dunas, são dunetes!


"Sempre que chegava a um controlo dirigia-me à lona onde depositávamos as garrafas de água vazias em busca de restos de água. Parecia um mendigo à procura de comida no lixo. Abanava, sacudia a lona e lá encontrava uma ou outra garrafa com um restinho de água. Não bebia, claro. Mas usava essa água para molhar o meu chapéu. E assim poupava a minha só para beber."


Na etapa dos 81km, que nem quero recordar o sofrimento, tive um momento muito difícil, aos 70km: tive de parar pois as minhas pernas não davam nem mais um passo. Bloqueei fisica e mentalmente. Não conseguia sequer andar. Nesse momento o meu relógio (a minha companhia, com quem eu muitas vezes falava) ficou sem bateria. Sentei-me durante meia hora. Aproveitei para carregar o relógio. À medida que via a imagem da bateria a fazer load, também eu comecei a ganhar forças. Tomei um gel e comecei a caminhar. Ao fim de cinco minutos comecei a correr como se não tivesse feito ainda nenhum quilómetro. Corri com todas as forças até à meta. E quando lá cheguei... Foi aquilo que tu viste. Eu e a bandeira. A bandeira e eu."








"Após a etapa dos 81km pensei na estratégia a seguir. Teria uma noite e um dia de descanso. A estratégia foi: dormir ao máximo e comer tudo o que tivesse na mochila, excepto as calorias obrigatórias para a etapa de 6ª feira. Comi tudo o que podia. Senti-me muito bem nessa etapa, era a última, corri como sei correr, como costumo correr. Foi a minha melhor etapa, por ser a última, por ser a despedida e por ir cortar a meta e terminar a minha MDS. Percebes o que te quero dizer? Além disso fiz uma aposta... Que ganhei!"



Terminámos juntos, felizes agarrados à nossa bandeira! Só não dançámos porque o Paul Michel tinha medo que lhe pisasse os pés. :))

Esta é daquelas aventuras que jamais esqueceremos. Uma história para contar aos netos. Termina assim a aventura MDS que tantas alegrias, mas também algumas tristezas, nos trouxe. O balanço é francamente positivo, apesar das mazelas físicas que o Paul Michel trás consigo e todas aquelas que ainda hão-de surgir. 

Mas esta vida é uma escolha. Quem escolhe viver, arrisca! E ele arriscou: deixou para trás uma vida sedentária. A maior vitória do Paul Michel foi ter arriscado numa vida melhor. E nisto foi medalha de ouro, acreditem!

Quem arrisca lesiona-se, sofre e chora. Faz parte desta equação que é ser corredor por prazer. Mas vive!



E vive feliz!

Música da última etapa da MDS - tocou no momento da chegada à meta.

Por favor, oiçam MESMO esta música. E enquanto o fazem façam a vossa escolha.

15 de abril de 2014

Marathon des Sables - o dia da última etapa e da minha chegada

Depois da brilhante etapa dos 81,5km e depois de várias pessoas partilharem e comentarem o vídeo da chegada do Paul Michel já era perto da uma da manhã quando me fui deitar, muito feliz por sinal, pois no dia seguinte apanharia avião para Marrocos rumo à meta da MDS para fazer uma surpresa ao Paul Michel. 

Desde janeiro que andei a preparar esta surpresa. Os contactos com a organização não foram fáceis, pois nunca me respondiam.  Até que me lembrei de uma conversa com o JoãoLima na corrida do Monge. Ele disse-nos que conhecia o único português que fazia parte da organização: Mário Machado. Caso precisássemos de contactá-lo estaríamos à vontade. Arrisquei. E foi o Mário Machado quem me deu os contactos (nome e email direto) da pessoa da organização a quem eu deveria colocar todas as questões. Depois disto tudo foi mais fácil. 

E consegui! Em Março tinha tudo organizado e planeado para estar 6ª feira, dia da última etapa, à espera dele. 

Quinta-feira foi o dia de descanso após a maior e decisiva etapa dos 81,5km e nesse dia eu estaria a voar Lisboa-Casablanca-Ouarzazate. Cheguei às duas da manhã ao hotel, em Ouarzazate, e levantei-me às cinco da manhã (dormi duas horas, nessa noite a ansiedade não me deixava adormecer). A viagem de Ouarzazate até ao deserto era de quatro horas de jipe. Por isso tivemos de nos levantar muito cedo. E cedo o grupo, de aproximadamente 50 pessoas (entre patrocinadores e familiares) se reuniu e logo ali começámos a conversar uns com os outros. A viagem até ao deserto não me pareceu assim tão longa. Aquelas quatro horas significaram talvez duas. A vontade de chegar era muita.
 

 Os nossos jipes
 
 
 

 Não é uma Yamaha nem uma Kawasaki

O Areias a fazer gracinhas. Este bicho bebe pela garrafa. 

 
Passámos por povoações onde o cenário típico de probreza e miséria faziam com que não nos apetecesse sair do carro.
 
 
 

 
 
 
Quase a chegar ao CP3 entramos num trilho e aí sim: sentimos que fazíamos uma prova de todo-terreno. Além disso, o nosso motorista era daqueles que adorava a sua profissão. Leva-a muito a sério e com grande empenho. Aquilo era prego a fundo a toda a hora. Neste trilho avistamos os primeiros atletas. Ficámos excitadíssimos e sempre a tentar perceber se era algum dos nossos familiares ou amigos.
 

 





 
 
O programa previa uma passagem rápida no CP3, o último controlo da última etapa. Assim que lá chegámos quem é que eu vejo? Um português. Mas não era um atleta. Era precisamente Mário Machado. Podia estar em qualquer CP, mas por sorte foi logo estar naquele. Percebo que ele tenta avistar-me. Mas nesse momento chegavam vários atletas e ele tinha de estar concentrado a registá-los. Mas tudo muda quando abano a bandeira portuguesa! Entrega o controlo a quem lá estava e vem em minha direção (eu acho que vocês percebem o que é para um qualquer português estar longe de casa por vários dias e ver a sua bandeira…). Dá-me um abraço muito rápido, ou melhor eu abraço-o porque ele só me diz: “não me abrace que eu estou muito sujo!” Mas quem é que se importa com isso? Venham de lá esses ossos! Cumprimenta-me, trocamos duas ou três palavras e rapidamente volta ao seu posto de controlo.
 
 

Mário Machado
 
Neste entretanto, estão sempre as passar atletas. Como esta última etapa teve duas partidas diferentes (o TOP 50 saiu 1h30m mais tarde) os atletas começam a chegar misturados. E eis senão quando quem vem lá??? O Carlos Sá! Fico tão nervosa que nem consigo fotografá-lo. Só consegui gritar por ele - histérica - abanar a bandeira e ele apenas olhou para mim com cara de bicho selvagem. Não sorriu nem esboçou qualquer expressão. Impressionou-me a concentração dele. Nem uma ruga de felicidade nem tristeza por me ver. Ou melhor, foi como se não me tivesse visto. Olhou para mim como se tivesse olhado para uma pedra. E saiu a correr. A correr muito. Muito mesmo.

Começa o meu coração a bater mais rápido. Começam os outros elementos do grupo a encontrar os seus familiares e gera-se ali uma onde de emoção muito forte. Choravam os atletas que viam os seus familiares, chorávamos nós que os víamos a chorar… Uma emoção muito grande ver estes reencontros. E eu a pensar quando é que seria o meu momento. Tinha planeado esconder-me quando o Paul Michel passasse, pois queria apenas que ele me visse na meta.

Depois do Sá vi passar muitos atletas de elite: os marroquinos, Marco Olmo, a Lawrence Klein (a atleta feminina que costuma ganhar a prova) e muitos outros. Nem vinte minutos tinham passado quando aparece o Carlos Coelho. Aqui sim, já houve festa! Abanei a bandeira, gritei por ele e ele veio na minha direção e sorriu-me. Desejei-lhe a maior força e disse-lhe que iria estar na meta à espera deles.
 
Carlos Coelho
 

 O marroquino que ganhou este ano.


 O marroquino que ganhou o ano passado
 
Tenho ainda tempo para lhe perguntar: “o Paul Michel vem atrás, não é?” – NÃO! JÁ PASSOU!

Neste momento desaba sobre mim o mundo. Então ele já tinha passado? Não é possível. Ele não estava a correr assim tão rápido... As médias dele não permitiam que ele já tivesse passado naquele controlo. O que é que faço? Ele já passou e eu estou aqui?… Gera-se em mim uma fúria e um misto de frustração e começo aos gritos à procura do marroquino responsável pelo nosso grupo. Encontro-o ao fim de dez minutos e começo a implorar-lhe que me leve à meta. Ele diz-me que não é possível, que só podemos ir quando o grupo seguir todo junto. Começo a chorar e aos gritos. Digo-lhe que paguei para esperar o meu marido na meta e não para estar num controlo a ver os outros passar!

Agarro-me a ele (com alguma violência, até) e começo a gritar-lhe e a oferecer-lhe dinheiro para ele me levar à meta. Neste momento tudo muda! Diz-me que me levava mas que teria de arranjar mais três pessoas do grupo para ir comigo, pois o jipe teria de ir cheio, caso contrário depois não teria lugares para levar todas as pessoas até à meta. Lembrei-me de duas francesas e uma inglesa que tinham visto os seus familiares a passar no CP3. Perguntei-lhes se queriam vir comigo e disseram logo que sim.

Vou a correr para o marroquino e digo-lhe que já tenho as três pessoas para encher o jipe. Ele diz-me que vai chamar o motorista para nos levar. O motorista tinha desaparecido. Eu começo à procura do marroquino. O marroquino continua à procura do motorista. Começo a gritar-lhe desesperada a implorar para me tirar dali. Olho para a francesa e peço-lhe um cigarro. Fumo um cigarro. Continuo à procura do marroquino e do motorista. Outro marroquino pergunta-me se não quero ir à tenda almoçar. Mando-o à merda (em português)! Começo a falar em português e a disparar as piores palavras que nem sequer constam do nosso dicionário. A francesa tentava acalmar-me. Aparece o marroquino e logo de seguida o motorista. Entramos no carro. Digo-lhe que lhe dou 100 dirham se ele conduzir rápido mas em segurança. O percurso até à meta era de vinte minutos. Ligo para o Mister e pergunto-lhe a que horas ele tinha passado no CP3 (para fazer contas e tentar perceber se ainda teria tempo de o apanhar a chegar) e ele responde-me: “o teu homem já chegou à meta…” Aqui é que o mundo desabou.

Fico emocionalmente descontrolada. Todos me tentam acalmar. O motorista para o carro sem perceber o que se estava a passar. Grito-lhe outra vez para continuar a conduzir sem parar. Cinco minutos depois chego ao Bivouac. Corro para junto da zona da meta. Olho e não vejo nada. Vejo tanta gente e não vejo ninguém. Começo a gritar por ele. Não oiço resposta. Corro para junto da organização e pergunto onde estão os atletas que já terminaram. Indicam-me a tenda (era uma tenda onde os atletas podiam repousar e estar com os convidados, imprensa, patrocinadores, familiares). Entro lá e só vejo o Carlos Sá sentado a relaxar. Desta vez era eu que devia estar com olhar de bicho. Agarrei-me a ele, mas nem lhe dei os parabéns. Só lhe perguntei: o Paulo? E ele responde-me: já foi para a tenda, mas tem cuidado que não podes ir lá e a organização é muito rígida. Não arrisques.

Disse-lhe: vai lá chamá-lo. Diz-lhe para vir aqui. Diz-lhe que a organização está a chamá-lo. Agora, à distância sei que pedi quase o impossível ao Sá. Ele tinha acabado de fazer uma etapa fantástica, muito dura, estava ali a descansar, sentado e a hidratar… E eu peço-lhe para se levantar para ir chamá-lo e rápido!! Ele nem me respondeu. Sorriu, sem me dizer anda, levantou-se, pegou nas coisas dele e foi. Muito devagarinho, a andar, foi.

Enquanto esperava olhava para quem já tinha terminado. Olhava para os pés.

 


 
 
 
Levei para esta aventura um boné diferente, óculos de sol diferentes e um lenço na cabeça para que ele não me reconhecesse com tanta facilidade. Não esperei sequer três minutos quando o vejo ao longe com a bandeira portuguesa atada à cintura. Tiro a minha bandeira e levanto os braços. Ele para e fica a olhar uns breves segundos. Percebe que sou eu e nesse momento começamos a correr na direção um do outro.

E agora? O que é que querem que eu vos conte mais? Foi o reencontro que acho que também podem imaginar…

O Paulo chorou com um misto de felicidade, alegria, conquista, mas ao mesmo tempo queixume. Não foi SÓ um chorar de alegria. Foi também um chorar de alguém muito sofrido. De um sofrimento que depois se traduz na maior das alegrias. Parece paradoxal mas quem corre sabe do que falo. Como é que alguém que sofreu tanto, pode estar tão feliz?

PODE! PODE MESMO!
 
E se a felicidade tivesse um nome próprio, nesse dia era Paulo Reis, dorsal 1113.










A última etapa do Paulo foi alucinante, ficou em 90º lugar da geral. Foi o tudo por tudo. Naquele dia, acordou de manhã e esqueceu tudo: as dores, a fome (muita fome!) e o cansaço. Foi faca nos dentes e SIGA até à meta.

Perguntou-me pelos filhos e disse-me que a sua maior motivação era a chegada aos CP. Quando lá chegava pensava: ela já sabe que cheguei aqui, já não vai ficar preocupada. E assim sucessivamente até à meta onde mandava sempre três beijinhos.

Foi um resto de dia de muitas emoções. Falou-me da importância das mensagens que recebeu. Disse-me que tem mensagens inesquecíveis. Guardou-as todas.

Mostrou-me os seus pés como um veterano de guerra orgulhosamente mostra as suas cicatrizes das balas. Tinha várias bolhas, todas elas rebentadas e que agora estavam em ferida. Ainda assim, para o que vi por lá, acho que os pés dele até estavam muito bem.

À noite foram entregues os prémios pelas diversas categorias. E lá estava a nossa bandeira tão bem representada! Junto de um atleta que nos orgulha e que merece a nossa admiração. Melhor europeu em prova! 4º lugar da geral.
 





Para terminar fomos brindados com um concerto da Filarmónica de Paris. Que não vimos nem  ouvimos. Todos estavam exaustos. Todos foram dormir. Inclusive eu. Parecia que tinha levado uma tareia.

Amanhã é dia de fazer a última e derradeira etapa. Não cronometrada mas obrigatória: a etapa de 7,7km pela UNICEF. Amanhã teremos mais tempo para conversar e saber como foi cada etapa. Hoje o dia é para viver o momento e falar pouco. Mas amanhã quero saber tudo! Como te sentiste? Foi mais difícil do que esperavas? O que é que te marcou mais?


Até amanhã…


Momentos do dia: 6ª feira, 11 abril @ MDS
 
 
 
 O meu disfarce
 
 
 CP3 da última etapa
 
 
 
 
 
 Grande Pedro Gonçalves!
 
 
O medalha de prata: o do lado direito, portanto... :) 
 
 
 Improvisam-se polainas.
 
Grande João Colaço 
 
 
 
 
 
 O meu bivouac
 
 
O meu WC 
 
A minha companheira de tenda
 
 Chá, café, laranjada?
 
 Não. Pode ser uma cerveja fresquinha!
 
Qualquer lugar é lugar de culto.
 
Zona de lava e cura pés
 
 Sempre a fazer charme às garotas...
 
 
 
 
 
Hora do banho. Fofinhos :)))