Hoje é que era mesmo o último dia. Acordei às cinco e meia
da manhã com o sol a entrar na minha tenda. Tive a sorte de assistir ao nascer
do sol no meio do deserto do Sahara. Aliás, tive também a sorte de dormir no
meio do deserto. Não há céu como aquele, sabiam? O céu mais parecido com aquele
é talvez o do meu Alentejo.
Fui tomar o pequeno-almoço na tenda da organização. Olhei à
minha volta e lembrei-me dos campos de guerra. Estão a ver aqueles cenários de
guerra com acampamentos militares onde de manhã se vêm panelas a deitar vapor e militares a fazer fila para receber a ração de combate? Pois era exatamente a
imagem que os meus olhos captavam. A diferença é que ali as pessoas tinham cara
alegre.
Combinei com o Paul Michel na meta do lado esquerdo (os nossos pontos de encontro em qualquer prova são sempre 'na meta do lado esquerdo'). Uma hora antes já
lá estávamos a aquecer o lugar. Ou melhor, o sol é que nos estava a aquecer a nós.
Às 8.30m da manhã já estavam 28ºC.
Marco Olmo, 66 anos, começou a enfrentar o deserto aos 40 anos. Com 58 anos tornou-se Campeão Mundial ao vencer o Ultra Trail du Mont Blanc e já foi duas vezes 3º lugar na MDS.
E é uma joia de moço :)))
Feito o briefing e os cumprimentos por parte da organização
deu-se início à última etapa da 29ª edição da MDS. E eu também estava lá!
Estava excitadíssima por ir correr no deserto!
Foi nesta etapa que conversámos e ele me foi
contando episódios e situações de toda a semana. O que ele passou, o que os
outros passaram, o que sofreu, o quanto chorou, o quanto sorriu, o quanto e com
quem gritou, o que sentia quando chegava à meta, o que sentia quando chegava à
tenda…
"A primeira etapa foi muito, muito difícil. Não estava à espera. Dos 34km de etapa, cerca de 15km foram feitos em dunas que pareciam paredes. Subia uma e avistava outra, subia essa outra e via mais uma. Foi isto durante 15km com 42.ºC. Esse era o dia em que a mochila me pesava mais. Com receio do meu pé e com aquele terreno decidi fazer a etapa toda a caminhar. Nesse dia pensei: se todas as etapas forem como esta, eu desisto. Juro que me passou isso pela cabeça".
"Houve um dia em que uma mulher se agarrou a mim a implorar água. Disse-me que estava ali há mais de meia hora parada a pedir água aos atletas que passavam. Por segundos hesitei em dar-lhe água, pois pensei: daqui a 5km sou eu... Nesta prova ou matas ou morres."
"Todos os dias de manhã avistávamos um grupo de pessoas em fila indiana que, quase que por vergonha, atravessavam o acampamento como se estivessem a despedir-se de nós rumo ao corredor da morte. Todos seguiam cabisbaixos atrás de um elemento da organização. Eram os que desistiam. Iam embora."
"Sempre que chegava a um controlo dirigia-me à lona onde depositávamos as garrafas de água vazias em busca de restos de água. Parecia um mendigo à procura de comida no lixo. Abanava, sacudia a lona e lá encontrava uma ou outra garrafa com um restinho de água. Não bebia, claro. Mas usava essa água para molhar o meu chapéu. E assim poupava a minha só para beber."
Na etapa dos 81km, que nem quero recordar o sofrimento, tive um momento muito difícil, aos 70km: tive de parar pois as minhas pernas não davam nem mais um passo. Bloqueei fisica e mentalmente. Não conseguia sequer andar. Nesse momento o meu relógio (a minha companhia, com quem eu muitas vezes falava) ficou sem bateria. Sentei-me durante meia hora. Aproveitei para carregar o relógio. À medida que via a imagem da bateria a fazer load, também eu comecei a ganhar forças. Tomei um gel e comecei a caminhar. Ao fim de cinco minutos comecei a correr como se não tivesse feito ainda nenhum quilómetro. Corri com todas as forças até à meta. E quando lá cheguei... Foi aquilo que tu viste. Eu e a bandeira. A bandeira e eu."
"Após a etapa dos 81km pensei na estratégia a seguir. Teria uma noite e um dia de descanso. A estratégia foi: dormir ao máximo e comer tudo o que tivesse na mochila, excepto as calorias obrigatórias para a etapa de 6ª feira. Comi tudo o que podia. Senti-me muito bem nessa etapa, era a última, corri como sei correr, como costumo correr. Foi a minha melhor etapa, por ser a última, por ser a despedida e por ir cortar a meta e terminar a minha MDS. Percebes o que te quero dizer? Além disso fiz uma aposta... Que ganhei!"
"A primeira etapa foi muito, muito difícil. Não estava à espera. Dos 34km de etapa, cerca de 15km foram feitos em dunas que pareciam paredes. Subia uma e avistava outra, subia essa outra e via mais uma. Foi isto durante 15km com 42.ºC. Esse era o dia em que a mochila me pesava mais. Com receio do meu pé e com aquele terreno decidi fazer a etapa toda a caminhar. Nesse dia pensei: se todas as etapas forem como esta, eu desisto. Juro que me passou isso pela cabeça".
"Houve um dia em que uma mulher se agarrou a mim a implorar água. Disse-me que estava ali há mais de meia hora parada a pedir água aos atletas que passavam. Por segundos hesitei em dar-lhe água, pois pensei: daqui a 5km sou eu... Nesta prova ou matas ou morres."
"Sabes o que é chegar ao fim de uma prova estar tão exausto que nem consegues comer? Depois de descansar um pouco lá me obrigava a comer. Mas ficava sempre com fome. Adormecia com fome e acordava com fome. E corria com fome."
"Todos os dias de manhã avistávamos um grupo de pessoas em fila indiana que, quase que por vergonha, atravessavam o acampamento como se estivessem a despedir-se de nós rumo ao corredor da morte. Todos seguiam cabisbaixos atrás de um elemento da organização. Eram os que desistiam. Iam embora."
Isto não são dunas, são dunetes!
"Sempre que chegava a um controlo dirigia-me à lona onde depositávamos as garrafas de água vazias em busca de restos de água. Parecia um mendigo à procura de comida no lixo. Abanava, sacudia a lona e lá encontrava uma ou outra garrafa com um restinho de água. Não bebia, claro. Mas usava essa água para molhar o meu chapéu. E assim poupava a minha só para beber."
Na etapa dos 81km, que nem quero recordar o sofrimento, tive um momento muito difícil, aos 70km: tive de parar pois as minhas pernas não davam nem mais um passo. Bloqueei fisica e mentalmente. Não conseguia sequer andar. Nesse momento o meu relógio (a minha companhia, com quem eu muitas vezes falava) ficou sem bateria. Sentei-me durante meia hora. Aproveitei para carregar o relógio. À medida que via a imagem da bateria a fazer load, também eu comecei a ganhar forças. Tomei um gel e comecei a caminhar. Ao fim de cinco minutos comecei a correr como se não tivesse feito ainda nenhum quilómetro. Corri com todas as forças até à meta. E quando lá cheguei... Foi aquilo que tu viste. Eu e a bandeira. A bandeira e eu."
"Após a etapa dos 81km pensei na estratégia a seguir. Teria uma noite e um dia de descanso. A estratégia foi: dormir ao máximo e comer tudo o que tivesse na mochila, excepto as calorias obrigatórias para a etapa de 6ª feira. Comi tudo o que podia. Senti-me muito bem nessa etapa, era a última, corri como sei correr, como costumo correr. Foi a minha melhor etapa, por ser a última, por ser a despedida e por ir cortar a meta e terminar a minha MDS. Percebes o que te quero dizer? Além disso fiz uma aposta... Que ganhei!"
Terminámos juntos, felizes agarrados à nossa bandeira! Só não dançámos porque o Paul Michel tinha medo que lhe pisasse os pés. :))
Esta é daquelas aventuras que jamais esqueceremos. Uma história para contar aos netos. Termina assim a aventura MDS que tantas alegrias, mas também algumas tristezas, nos trouxe. O balanço é francamente positivo, apesar das mazelas físicas que o Paul Michel trás consigo e todas aquelas que ainda hão-de surgir.
Mas esta vida é uma escolha. Quem escolhe viver, arrisca! E ele arriscou: deixou para trás uma vida sedentária. A maior vitória do Paul Michel foi ter arriscado numa vida melhor. E nisto foi medalha de ouro, acreditem!
Quem arrisca lesiona-se, sofre e chora. Faz parte desta equação que é ser corredor por prazer. Mas vive!
Música da última etapa da MDS - tocou no momento da chegada à meta.
Por favor, oiçam MESMO esta música. E enquanto o fazem façam a vossa escolha.
E sabes o quanto chorei agora?! Pois....
ResponderEliminarEssa música é muito especial. Tem uma letra que toda a gente deveria ouvir com atenção e interiorizar!
Deviam fazer dessa música a sua vida!
O Paulo foi sem dúvida um grande Homem quando decidiu mudar de vida e fê-lo com distinção.
Foi um prazer ter assistido a esta aventura, obrigado por terem partilhado esse momento com todos nós. É impossível ficar indiferente perante tanta garra, determinação e principalmente AMOR!
Posso dizer uma coisa posso?!
Quando for grande quero ter um amor assim :)
E é como tu dizes, viver feliz é uma escolha, está nas nossas mãos. :)
Um grande beijinho a vocês e ainda bem que vos conheci :)
Martinha, esta aventura tinha de ser partilhada. Não era justo ficar só para nós. Ainda mais depois de todo o apoio e entusiasmo que sentimos da parte de tantas pessoas, de ti em especial.
EliminarE sabes, até o amor é uma escolha! Só tens de estar atenta para escolheres bem! ;)
Um beijinho muito grande! Acredita que me sinto uma sortuda em ter conhecido pessoas como tu! Apaixonadas pela vida que é vivida!
Fico "desfeito" com estes artigos :)))
ResponderEliminarConheço bem as emoções rebeldes que nos tomam por completo numa Maratona e que nos perseguem após a mesma. E estou a falar duma corrida que é "curta" e nada tem a ver com esta aventura de sobrevivência. Aí, nem imagino o que se possa sentir. Fico sem palavras!
Sinto-me extremamente feliz por vos ter conhecido e, assim, podido acompanhar esta aventura épica.
Nunca é demais dar os PARABÉNS! SÃO UNS HERÓIS!!!
E claro que me refiro aos dois pois esta aventura foi a dois :)
Beijinho Anabela, abraço Paulo, e obrigado por partilharem estes maravilhosos e sentidos artigos
Obrigada João! Tal como a Marta também fazes parte daquele grupo de pessoas que conheci, pode dizer-se recentemente, mas que tanto em comum já temos. São também pessoas como tu que vivem a vida apaixonadamente: sorrindo, gritando, partilhando conquistas, anunciando as derrotas, lançando desafios... É assim que somos felizes, não é? Nem sabemos sê-lo de outra maneira.
EliminarFoste uma força da natureza, João! Acredita que o teu entusiasmo foi contagiante e em determinados momentos pensava: bolas, ele também sofre e vibra com isto... Será possível?! É...
Eu é que te agradeço a forma sincera e amiga como demonstraste SEMPRE o teu apoio. Não esqueceremos! O Paulo ainda hoje me fala das tuas mensagens. Sem mencionar o conteúdo, disse-me o quão importante foi ler uma em particular num momento, por coincidência, difícil para ele.
Bem haja João Lima!
Agora sim fiquei com uma lágrima aqui ao canto do olho...Lindo Anabela que belo relato a sério...Adorei. Vocês são lindos!!! Abraço e beijos e tudo de bom...Muitos e bons klms!
ResponderEliminarVocês são demais... Já disse e repito: além da medalha que ganhamos quando terminamos as nossas provas, acredita que ter pessoas como tu a ler estas "conversas de café" é a segunda medalha que recebo!
EliminarBeijinhos e obrigada por estares aí!
Fantástico :)
ResponderEliminar:)) Beijinhos, Filipe
EliminarPor aqui temos outra vez choradeira pegada....este é mesmo o último sobre esta aventura não é? ...é que estou seco e não aguento mais :)
ResponderEliminarO que queres que te diga mais, porra...sei lá...tudo lindo, o antes, o durante, o depois, o depois do depois....uma maravilhosa, fantástica e espectacular aventura digna de um filme...vocês os dois estão de Mega, Hiper Super de Parabéns....são um exemplo e inspiração para mim, acredita...já disse mas volto a dizer...são estes exemplos que fazem pessoas normais como eu acreditar nos sonhos...um dia tb eu irei ter a uma aventura destas.
Beijinho grande para ti, um forte abraço para o Paul Michel, com votos que recupere bem, o mais rapidamente possível.
P.S.1 - não sentes nenhuma picada no baço ou no fígado? Estou a rebentar de inveja (da boa)...já não bastava toda a aventura...agora ver o Marco Olmo em carne e osso e tirar uma foto contigo???.....diz-me que é uma montagem, diz-me...ahhhhhhhhhrrrggggg. Amuei.
P.S.2....já estou com pena dos vossos filhos e netos :) .....vão levar com esta durante toda a vida...já estou a ver...aniversários, natal, páscoa, jantar anual comemorativo da MDS 2014 (olha que ideia boa, não?)....e a MDS isto, e a MDS aquilo....hehehehe...coitados :)
Qual chorar qual quê?... Mas que coisa!! Vê lá as nossas caras! Nós estamos felizes! É só olhar para as fotos e ver os nossos sorrisos. Vá…
EliminarCarlos, por isso eu digo que a maior vitória não foi fazer a prova e terminá-la, isso foi “apenas” a medalha. A maior vitória foi acreditar que era possível e virar a vida do avesso para concretizar esse sonho. Quando o Paulo dizia que queria fazer a MDS muitas pessoas lhe perguntavam: “mas não podias ir fazer uma coisa mais acessível, mais fácil?” Claro que podia. Mas porque é que não podemos sonhar alto? Só os dotados é que o podem? O comum dos mortais não pode ter a audácia de querer chegar lá? Esta aventura não tem truque nenhum, Carlos. Já nos conheces e sabes bem que nenhum de nós é super-herói ou super-heróina: ele lutou por um sonho e eu só lhe criei as condições para ele o alcançar. Apenas isso, nada mais. Trabalho de equipa.
Por isso, meu amigo, contigo é igual: se tu queres, tu consegues!
P.S. – Vamos ser uns velhos jarretas impossíveis de aturar, sim…
E o Marco Olmo?? Vivinho e a cores! :)) Pimbas! :P
EliminarBrutalíssimo!
ResponderEliminarMais uma vez muitos parabéns ao Paul Michel e a ti.
Muito obrigado pela partilha :)
Bjs
Obrigada! E obrigada pelo apoio ao longo da prova! Foi fundamental, já aqui o disse, mas nunca é demais repetir!
EliminarBeijinhos
Depois de ler todos estes posts, a reacção instintiva é googlar o formulário de inscrição na MDS2015. Mais uma vez, parabéns pela excelente, motivadora e emocionante participação nessa grande Aventura.
ResponderEliminarSem vos conhecer, mas com sentimento próximo, dou-vos daqui o meu abraço de admiração (e inveja, ah, pois...) por tudo o que vos levou a adquirir o direito de estafar os netos com a história da MDS2014.
Parabéns! E não estranhem se um desconhecido vos oferecer uma vénia (e não flores... ;-) ) numa prova qualquer, em que nos cruzemos por aí.
Força para a recuperação!
Olá Rogério, se quiseres fazer a MDS podes contar com toda a nossa ajuda e apoio. Em material, por exemplo, vendemos tudo em 2ª mão mas em muito mau estado e muito mal cheiroso!!! Mesmo com duas lavagens aquele cheiro pestilento ainda não saiu... :))
EliminarDeixa lá a vénia e dá-nos antes um abraço! Quem tem de fazer a vénia sou eu, porque tive desconhecidos a apoiarem-me e a enviarem mensagens de coragem que muito me ajudaram.
E caso nos encontres numa prova não hesites. Procura a t-shirt do sapatinho com asas!
Recebe outro forte abraço e a minha gratidão pelo teu entusiasmo.
Mais uma vez parabéns ao Guerreiro Paulo e também para você neste desafio feito para gente grande!!
ResponderEliminarGrande abraço.
Obrigada Jorge! Grande, grande abraço para si! Essa sua força chegou cá e lá!
EliminarAinda não me consegui chegar a um computador onde possa ver o vídeo mas até é preferível se não ainda vou a correr ver as inscrições da mds 2015!
ResponderEliminarAs fotos, os comentários, a cumplicidade latente e evidente são inspiradoras, o resto e restante já foi dito.
Uma inspiração.
Bem hajam.
Bjs e abraços
Já disse: quem quiser arriscar a MDS 2015 tem aqui dois entusiastas e apoiantes. Oferecemos material, damos dicas, traçamos estratégias e tudo isto pela módica quantia de... Estou a brincar!! :))))
EliminarObrigada e beijinhos
ahahaha, já vi o clip:)
EliminarGaranto-te que a mds não está de todo ( e por agora porque nunca digo nunca) nos planos e ou escolhas mas em todo o resto acredita que, como já escrevi, vocês têm sido inspiradores ;)
E sim, o raio da musica tem o condão de me pôr sempre um sorriso nos lábios (acho que até na versão benfica 2013).
Bjs
Mas que relato! Fiquei literalmente presa ao computador. Muitos parabéns ao Paul Michel, são mais do que merecidos depois de todo o esforço! :) Venham mais desafios! Beijinhos
ResponderEliminarObrigada Fiona! Um beijinho grande, grande para ti!
EliminarE haja pernas para enfrentar desafios ;)